quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O longo braço da Lei...

O Direito e os seus intervenientes têm actualmente para mim um interesse muito especial , estando mesmo intimamente ligada a este mundo...
Foi talvez por isso que um livro dedicado a este tema me chamou a atenção. Enquanto o lia, passei por alguns capítulos que tinham muito interesse, outros, nem por isso... Mas não resisto a reproduzir aqui aquele que foi, para mim, o melhor de todo o livro!
Claro que, não aprovando plágios, irei identificar a obra que recomendo a quem gosta de Direito e também a quem inocentemente acredita que o sistema judicial no nosso país funciona ou poderá eventualmente funcionar sem uma grande revolução (entenda-se alteração de estrutura) e sem grandes mentalidades ao seu serviço... No futuro, quem sabe...
" No princípio andava tudo numa grande excitação. Finalmente, a Justiça Portuguesa iria dar um salto para o século XXI. Os ministros exultavam e, por arrasto, a imprensa também. A façanha chamava-se videoconferência. Não só acabaria com os crónicos atrasos, como, ainda por cima, garantiria comodidade às testemunhas. Esta é a descrição que um juíz enviou, por e-mail, aos amigos.
«Já fiz um julgamento com videoconferência. Foi requerido por quatro testemunhas. Cada uma delas tinha-se deslocado ao tribunal da respectiva área de residência e por isso havia quatro tribunais em stand-by para o "grande momento".
Primeiro erro: o julgamento começa com a exposição introdutória e as declarações do arguido, por isso às 10h - a hora marcada - não se podiam realizar as "video coisas". Os quatro tribunais aguardaram.
Chegou o momento de ver/ouvir a primeira testemunha. Só lhe via a testa, porque o écran do computador estava na secretária do funcionário, que ficava a um nível abaixo do meu. Suspendeu-se o julgamento para mandar vir três Diários da República para colocar debaixo do visor, de forma a que pudesse ver a testemunha.
Iniciada a videoconferência... não havia juíz do outro lado - o malandro estava a fazer um julgamento. Foi chamado e apareceu uma Srª Juíza esbaforida - tinha interrompido o julgamento dela - ajuramentou a testemunha e voltou a sair em passo de corrida. Iniciado o julgamento, constato que...os microfones da sala de audiências de nada servem, pois são incompatíveis com o computador a que está ligado o sistema vídeo.
Uso então o microfone ligado ao computador que traz acopladas umas "orelhas sonoras". Começo a falar com a testemunha. O meu colega do lado bate-me no braço. Retiro as "orelhas sonoras" e ele pergunta-me:
«Então só tu é que ouves a testemunha?»
«Não estás a ouvir...?!», pergunto eu, num tom interrogativo.
«Nem eu, nem mais ninguém.»
Corrige-se o lapso. ordena-se à funcionária que proceda à ligação das enormes colunas de som de 10cm de altura. Já se ouve alguma coisa. O Ministério PPúblico e os advogados arrastam as cadeiras, aproximando-se alguns centímetros do centro da cena. Pergunto:
«Os Srs. Drs. vêem a testemunha?»
Pergunta parva! O visor está virado para mim e não há mais nenhum. Do mal o menos. Não vêem, mas ouvem. Não se pode ser muito exigente, sob pena de se fazer figura de " velho do Restelo". Prosseguimos.
«O Ministério Público deseja fazer perguntas à testemunha?», claro que sim. «Faça favor...» Olhar interrogativo!
«Como? Não tenho microfone...»
Peço ao procurador que se aproxime e, simpático, ofereço o "meu" microfone. Feitas as perguntas pertinentes - com o procurador de pé e torto - os advogados também pretendem exercer o seu ofício. Têm igualmente de se aproximar e utilizar o "meu" microfone, inclinando-se para a frente e torcendo o pescoço porque o fio não tem mais de metro e meio.
E assim ficamos os três juízes, de preto vestidos e sentados à frente e o Ministério Público e os advogados, também de preto, perfilados na fila de trás, em pé.
Não sei porquê, mas lembrei-me que a cena se assemelhava a um jogo da Académica de Coimbra, nos momentos iniciais antes de começar o jogo, com os jogadores a posar para a fotografia da praxe.
O público - pouco, felizmente - nada vê e pouco ouve, mas notam-se alguns sorrisos.
Ordem à funcionária. Vamos à segunda testemunha. A funcionária não sabe fazer a ligação. Sai para chamar um colega que, supostamente, a sabe fazer. Alguns minutos de espera, tudo a olhar para o ar, com expressões compenetradas.Volta a funcionária com um colega.
O colega tenta fazer a ligação e comunica que um dos tribunais que esperava - já tinha passado mais de uma hora - informara que o seu sistema de videoconferência tinha deixado de funcionar(?). Por hoje chega. Gostei muito»
Isto da videoconferência, como se vê, nem sempre resulta. Por isso, num outro caso, decidiu-se que mais valia acabar com a modernice:
«Tendo em conta as dificuldades sentidas com a gravação dos depoimentos prestados através de videoconferência, determino que as testemunhas arroladas prestem declarações presencialmente, aqui, neste tribunal.»
E... aproveitou-se também para adiar o julgamento...oito meses."
In As Extraordinárias Aventuras da Justiça Portuguesa , de Sofia Pinto Coelho

E assim se vive o Direito nos nossos dias! Resta-nos aguardar, esperançados, por um futuro melhor...sempre...

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